Terceira idade

O outro lado dos lares geriátricos

Familiares têm de estar atentos no local onde vão deixar seus idosos, pois muitos estabelecimentos vivem na clandestinidade e não possuem o mínimo de condições exigidas por lei

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    Somente nos últimos dias a Vigilância Sanitária de Pelotas recebeu três denúncias (Foto: Gustavo Mansur - DP)

O número de lares de idosos cresce em Pelotas e a clandestinidade também. Existem casas irregulares, que não estão capacitadas para o trabalho e os familiares devem estar atentos a isso. É fundamental que esses locais tenham um responsável técnico de nível superior na área da saúde, conforme a lei municipal 6.320, em vigência a partir de janeiro deste ano. Somente nos últimos dias a Vigilância Sanitária de Pelotas recebeu três denúncias e de 2015 até o momento foram feitas sete interdições. Outras três foram notificadas e estão em processo de regularização. Cinquenta estão aptas.

Havia casas geriátricas cujo responsável técnico era um professor de Música ou de História, entre outros de nível superior, porém muito distantes da área da saúde. Existem residências que se transformam em lares. As famílias seguem morando no local, os membros trabalham nele e abrem vagas para dez, 15 leitos, por exemplo. Sem a mínima condição exigida pela Vigilância Sanitária, que faz inspeção minuciosa. É necessário preencher uma série de requisitos estabelecidos em resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e legislação municipal. Muitas vezes as famílias nem observam a falta de capacitação das pessoas que lidam com seus idosos. Entregam o cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) do idoso e não voltam mais no local.

“É uma atividade comercial e de lucro”, comenta a gerente da Vigilância Sanitária, Maria Angélica Petrucci, ao informar que os preços vão de um a mais de dez salários mínimos e que os familiares têm a obrigação de verificar as condições de moradia, o contrato, responsável técnico, alimentação, rotina prevista e todos os requisitos exigidos para o bem-estar da pessoa da terceira idade. Conta que é comum entre as interditadas reabrirem em outro local, nas mesmas condições pelas quais foram fechadas.

A Vigilância Sanitária recebe denúncia e apura. A grande maioria é por maus-tratos e negligência. Conforme Maria Angélica, os idosos precisam de condições de acessibilidade, dignidade e cidadania, além de receberem seis refeições por dia. Os direitos e as garantias dos usuários de lares geriátricos têm base no Estatuto do Idoso, que regulamenta a política municipal das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). A lei vigente é de autoria do vereador Salvador Ribeiro (PMDB).

Ainda segundo a coordenadora, a Vigilância Sanitária tem parceria com o Ministério Público (MP) e solicita auxílio sempre que necessário. Quando recebe uma denúncia verifica tudo nas casas, desde as condições de armazenamento de alimentos e medicamentos aos cômodos, ventilação, cardápio de refeições ao responsável técnico.

Geralmente a fiscalização vai à noite para checar o jantar, a iluminação e se existe de fato alguém com os idosos, porque já aconteceu de chegar em um desses lares e encontrá-los sozinhos, com medo de abrir a porta e praticamente às escuras. “Se acontece alguma emergência eles não têm nem a quem chamar. Às vezes não há nem o telefone de algum parente”, observa, ao acrescentar que a equipe tem poder de polícia pela legislação e pode exigir o cumprimento de critérios.

O responsável técnico assina documento reconhecido em cartório acerca de suas atribuições, para que a Vigilância possa efetivamente cobrar isso em uma inspeção de rotina. No entanto, trata-se de um segmento com problemas recorrentes, ainda que tenha melhorado a situação em muitas casas a partir da instauração de processos administrativos.

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      Vigilância Sanitária realiza visitas constantes para checar as condições oferecidas (Foto: Gustavo Mansur - DP)

Absurdos acontecem
Nos últimos anos a prefeitura começou a autuar e multar. Conforme a infração, se leve, grave ou gravíssima, o proprietário do estabelecimento tem de pagar entre R$ 2 mil e R$ 75 mil. Para certas situações existe tolerância, como a falta de alguns itens. Os prazos oscilam entre 15 dias e um ano. Uns se ajustam, outros não. Já teve local que fez da sala da casa um dormitório. Pior que isso: o familiar soube e nada fez. Maria Angélica conta que em outra moradia foi fechada uma área de luz e igualmente transformada em quarto. “Outra colocou em um garajão homens e mulheres, num verdadeiro desrespeito à individualidade de cada um”, comenta.

Os absurdos não param por aí. A Vigilância já encontrou estabelecimento onde havia rodízio de banho com intervalo de mais de uma semana entre um e outro. A família tem que acompanhar o que se passa lá dentro, o que a pessoa está comendo, como está sendo tratada. Tem de manter o vínculo. Mas nem todos fazem isso. Pelo contrário, é assustador o número de senhores e senhoras que nunca receberam visita. Em um lar situado no centro da cidade apenas dois idosos saíram nesta Páscoa. Os demais sequer foram lembrados. Por outro lado, existem casos em que a pessoa de idade fica melhor em uma casa em condições do que na própria família, porque são atendidos e têm convivência com outros da mesma faixa etária. “A Vigilância cumpre a legislação, mas sempre com bom senso. As casas são divididas em níveis sociais, mas precisamos que garantam, de acordo com a sua realidade, o mínimo de condições e um serviço de boa qualidade aos idosos”, ressalta a coordenadora.

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          Algumas peças são divididas por mais de um idoso nas casas destinadas a essa finalidade (Foto: Gustavo Mansur - DP)

Muitos encontram o verdadeiro lar nos locais
Dona Noêmia tem 93 anos e há dois está em um casa geriátrica. Estava tapadinha, sentada em uma poltrona vendo TV quando a reportagem do Diário Popular chegou ao local, acompanhando a Vigilância Sanitária. O lar onde vive a simpática e lúcida senhora é considerado totalmente adequado à legislação. A idosa dorme em um quarto sozinha, pois a família paga para que tenha sua privacidade. Do seu lado está o andador, a bengala e o controle da TV. “Tomo banho sozinha”, conta, orgulhosa.

Em uma sala arejada vários idosos assistem ao noticiário, leem o jornal ou simplesmente conversam. “Isso aqui é um paraíso”, comenta dona Anathalia, 83. Ela está lá desde agosto do ano passado e considera o lugar realmente seu lar. Divide o mesmo ambiente com os hóspedes da casa enquanto trabalha o fisioterapeuta Sandro Kohler, contratado por familiares para fazer exercícios com determinados idosos. Ele também é o responsável técnico pela casa. São 10h e é servido o lanche do meio da manhã. Uma fruta com iogurte. Nem todos querem, mas têm oferta.

Em uma outra sala estão quatro idosos que precisam de ajuda até para se alimentar. Três dormem, entre eles duas senhoras, encostadas uma na outra. Uma com uma boneca no colo, outra com um bicho de pelúcia. São “seus filhos” e o funcionário que lhes dá comida tem de fazer de conta que também está dando para as “crianças”. Segundo uma das fiscais da Vigilância Sanitária, isso é muito comum entre os idosos senis. Mas é uma cena impactante para quem não está acostumado. Por certo que bate uma tristeza.

A proprietária do estabelecimento, Pâmela Chagas, seguiu o exemplo da sogra, que já havia aberto um lar geriátrico. Técnica em enfermagem, considera-se vocacionada para o trabalho. Ela e o marido Felipe permanecem 12 horas no local e nem domingo deixam de comparecer. “A gente vira a família deles”, diz, ao comentar que na Páscoa teve festa e o único presente que a maioria ganhou foi da casa. Os preços pelo serviço variam de R$ 1,4 mil a R$ 2,2 mil mensais, dependendo se o quarto for coletivo ou privativo.
Entre os 15 idosos que moram lá, a maioria recebe um salário mínimo de aposentadoria e o complemento do valor vem da família. “A gente ajuda nas fraldas e na medicação também”, frisa.

Em um outro lugar visitado pelo Diário Popular, recentemente inaugurado, ainda faltam alguns itens a cumprir. A proprietária recebeu um prazo para as adequações e argumentou não ter cumprido todos os critérios justamente por estar a casa funcionando há pouco tempo e ter recebido apenas uma única idosa. Dona Edith, 84, morava com a filha, mas como não pode caminhar, conta que vivia deitada. “Aqui estou achando melhor”, diz ela, que estava sentada no sofá da sala assistindo à TV. No quarto havia um ovo de Páscoa sobre a mesa de cabeceira. Presente da filha.

 

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